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sexta-feira, 10 de julho de 2009

Café com Cassiano Ricardo



Na efervescente São Paulo de 1928, o poeta Cassiano Ricardo, remete à novidade do café expresso, copiado das capitais européias.
Café-Expresso
Cassiano Ricardo
1
Café-expresso — está escrito na porta.
Entro com muita pressa. Meio tonto,
por haver acordado tão cedo...
E pronto! parece um brinquedo...
cai o café na xícara pra gente
maquinalmente.

E eu sinto o gosto, o aroma, o sangue quente de São Paulo
nesta pequena noite líquida e cheirosa
que é a minha xícara de café.
A minha xícara de café
é o resumo de todas as coisas que vi na fazenda
e me vêm à memória
[apagada...

Na minha memória anda um carro de bois a bater as porteiras da
[estrada...
Na minha memória pousou um pinhé a gritar: crapinhé!
E passam uns homens
que levam às costas
jacás multicores
com grãos de café.

E piscam lá dentro, no fundo do meu coração,
uns olhos negros de cabocla a olhar pra mim
com seu vestido de alecrim e pés no chão.

E uma casinha cor de luar na tarde roxo-rosa...
Um cuitelinho verde sussurrando enfiando o bico na catléia cor de
[sol que floriu no portão...
E o fazendeiro, calculando a safra do espigão...

Mas acima de tudo
aqueles olhos de veludo da cabocla maliciosa a olhar pra mim
como dois grandes pingos de café
que me caíram dentro da alma
e me deixaram pensativo assim...
2
Mas eu não tenho tempo pra pensar nessas coisas!
Estou com pressa. Muita pressa.
A manhã já desceu do trigésimo andar
daquele arranha-céu colorido onde mora.
Ouço a vida gritando lá fora!
Duzentos réis, e saio. A rua é um vozerio.
Sobe-e-desce de gente que vai pras fábricas.

Pralapracá de automóveis. Buzinas. Letreiros.
Compro um jornal. O Estado! O Diário Nacional!
Levanto a gola do sobretudo, por causa do frio.
E lá me vou pro trabalho, pensando...

Ó meu São Paulo!
Ó minha uiara de cabelo vermelho!
Ó cidade dos homens que acordam mais cedo no mundo!

Cassiano Ricardo

O poeta Cassiano Ricardo, participante do movimento modernista, iniciado com a Semana de Arte Moderna, sintetizou todas as etapas do café, da plantação à xícara em sua poesia Moça Tomando Café.

Moça tomando Café
(Cassiano Ricardo)
Moça num café, M. Westerberg

Num salão de Paris
A linda moça de olhar gris
Toma café.
Moça feliz!Mas a moça não sabe, por quem é,
Que há um mar azul, antes da sua xícara de café;
E que há um navio longo, antes do mar azul...
E que, antes do navio longo, há uma terra do sul;
E, antes da terra, um porto em contínuo vaivém,
Com guindastes roncando na boca do trem
E botando letreiros nas costas do mar...
E, antes do porto, há um trem madrugador;
Sobe-desce da serra, a gritar, sem parar,
Nas carretilhas que zunem de dor...
E, antes da serra, está o relógio da estação...
Tudo ofegante, como um coração
Que está sempre chegando, e palpitando assim...
E, antes dessa estação, se estende o cafezal.
E, antes do cafezal, está o homem, por fim,
Que derrubuou sozinha a floresta brutal,
O homem sujo de terra, o lavrador,
Que dorme rico, a plantação branca de lfor,
E acorda pobre, no outro dia (não faz mal...),
Com a geada negra, que queimou o cafezal.
A riqueza é a noiva (que fazer?),
Que promete, e que falta, sem querer...
Chega a vestir-se assim, enfeitada de flor,
Na noite branca, que é o seu véu nupcial;
Mas vem o sol, queima-lhe o véu,
E a conduz loucamente para o céu,
Arrancando-a das mãos do lavrador.
Quedê o sertão daqui? Lavrador derrubou.
Quedê o lavrador? Está plantando café.
Quedê o café? Moça bebeu.
Mas a moça onde està?
Está em Paris.

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